Está zero a zero

Ouvem-se as vozes exaltadas e uma enxurrada de impropérios que visam única e exclusivamente a mão do senhor que está vestido de preto no meio das duas equipas. Pobre coitada, soubesse ela onde é que o filho se ia meter, mas uma pessoas não pode adivinhar.

- Olhe lá, quantos estão?

- Zero a zero e não ganha ninguém. Pelo menos por agora, mas isto ainda nem chegou a meio.

O campo está longe das relvas que se vê na televisão. Pó de pedra, daquele fino que salta assim que dão um pontapé na bola. Vinte e dois em campo, mais os três que ouvem comentários pouco próprios sobre quem os trouxe ao mundo.

Cá fora o jogo é outro. É a mãe que vem ver o filho jogar. Junta-se a nora e os netos, a amiga e a vizinha. e o resto da terra, ninguém fica em casa em dias destes. Ficam todos ali de pé durante uma tarde inteira. Parece um ritual cumprido à risca, vai toda gente ver a bola.

Os assadores estão a fazer brasa e no bar vão saindo minis para os mais velhos e garrafas de Sumol para os mais novos.

- Não vás correr para aí que ainda te magoas.

Ouvem-se os gritos das mães. Estão de pé, encostadas ao muro do campo e com os casacos dos miúdos dobrados no braço. Fala-se de tudo, deita-se um olho ao jogo, outro ao Zé que nem se sabe bem como, escorregou e esfolou a mão e o joelho.

- GOLO!

E pára o mundo. Não há quedas nem feridas ou árbitro que roube a alegria. É golo e é dos nossos. Faz-se a festa e os jogadores gritam. Não ganham nada com isto. Nada além de nódoas negras, cansaço e, nos dias mais complicados, uma visita às urgências do hospital. Mas vibram como se isto fosse o seu sustento.

É golo. É para festejar.

Bola ao centro e os couratos a assar. Cheira a gordura a fritar no assador de chapa e começam a sair os primeiros pães.

- Para a semana, o jogo é cá ou fora?

Vamos a pé ou de carro? Ou vai tudo de autocarro para fazer a festa no caminho? Seja qual for o resultado. Vamos todos.


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