O ar do forno

Há uma bola de massa crua que tanto repousou durante uma semana que se transformou em fermento. A superfície ficou seca e áspera, o interior mole como quando foi guardada. Amanhã vem outra para o seu lugar. Hoje mistura-se esta com parte da farinha. 

Vai-se buscar o alguidar de barro já partido e marcado de tanto trabalho. Deita-se parte da farinha e a bola de uma semana e mistura-se num piscar de olhos. Sem grande ciência ou tempo a perder. Misturar e deixar repousar. 

O maior segredo é sempre uma junção de persistência com paciência. 

Quando o novo dia nasce, encontra o forno a aquecer. Ramos finos que vão queimando no forno de pedra que alimenta uma família e quem mais precisar. Fecha-se a porta e deixa-se o ar do forno chegar onde queremos que chegue. 


A massa está a descansar. Foi amassada até a respiração ficar pesada e os braços começarem a doer. De lenço na cabeça e bata já gasta, a mulher deu tudo por tudo para transformar a farinha em pão do bom. Até a massa chegar ao ponto. 

Depois, quando já repousou o que tinha a repousar e quando o fogo já chegou onde devia chegar, é cortar a massa à mão e moldar o pão com direito a bênção e oração. As mãos brancas da farinha formam pães e roscas para dar aos mais pequenos. Uma bola de massa crua fica a repousar para a semana seguinte que esta vida é feita de rotinas. Outras levam chouriço daquele que tinha ficado a secar na chaminé lá de casa.

Depois é esperar. A massa vai crescendo no forno. Já se adivinha a manteiga a derreter e o vapor do pão quente a queimar-nos a pele.

Começa a cheirar a pão quente e já se adivinha o pão estaladiço por fora e o interior branco e macio.  Para aproveitar o forno que ainda está quente, prepara-se um tabuleiro de sardinhas regadas a azeite e temperadas com cebola. 

Sai o pão a escaldar e entra o tabuleiro com o almoço. As rotinas cumpridas com o rigor que passa de geração para geração.

Parte-se o pão sem cerimónia nem faca. À mão. Meter faca em pão quente é tirar a força a quem o amassou e isso é coisa que não se quer. Daqui a uma semana começa tudo outra vez e não são corpos fracos que conseguem fazer pão. 

Não há nada que se compare à memória do cheiro a pão quente a encher a casa. A manteiga a escorrer pelas mãos e o sabor do pão amassado com a força de quem alimenta os que são seus. 

Parte-se quente, à mão e ficamos à espera que passe a semana.

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