Peregrinação da Espiga

Hoje não se trabalha: é dia da espiga. Não há convite nem confirmação prévia, mas todos sabem que é dia de piquenique. Faça sol ou prometa chuva. 

Saem todos à rua, miúdos e graúdos. De cesta aviada com o farnel bem tapado com panos grossos e a manta aconchegada debaixo do braço. Há um ou outro garrafão para aquecer as almas. Fazem o caminho a pé, com cantorias e conversas, até ao campo que todos os anos os acolhe. 

Lá estão as sombras que lhes dão abrigo e o tanque onde se tomam uns banhos, se o tempo o permitir. 

Esticam as mantas assim que chegam. As mulheres, de olho nos miúdos que improvisam um jogo de futebol, deixam-se ficar na conversa. Por aqui e por ali, há quem se perda numa jogatana de cartas cheias de vincos. 

- Goooooolo! 

Conversas trocadas, gargalhadas, correrias e gritos de vitória. 

- Ó Gertrudes, mas tu sabias disto? 

- Opah, não podes jogar isso. 

O mundo parou naquele momento de descanso. 

Chega a hora de almoço e o farnel espalha-se pelas mantas dos convivas. Pastéis de bacalhau e frango assado no forno. Pão amassado à mão e bolacha maria. O que há é dividido por todos, sem restrições. O pouco que se tem, chega sempre para mais um. 

O dia não acaba sem um último passeio à procura da espiga. Oliveira e nespereira. Papoilas e malmequeres. Rosmaninho e espiga. Tudo contado como manda a tradição e transformado num ramo bem apertado com uma guita. Tem de durar até ao próximo ano. 

A vida é simples. É feita de certezas que não se marcam, de uma união que não é programada. 

- Até para o ano, se Deus quiser!

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