Não escapa uma

Ouvem-se as conversas cheias de certeza que a vida alheia é sempre certa na boca de quem a não vive. 

- É o que te digo. Vais rua acima e é tudo mulheres de má vida. Não escapa uma. Para baixo também há que se lhe diga.

Lá está. Sentença dada como se ali estivesse o pilar da retidão moral. Sem dúvidas. É assim e ponto final. Para os outros que quem tantas certezas não fala de si e muito menos dos seus. Se falasse diria que a sua porta era não na sua lenga-lenga. Não se esperava outra coisa. 

É o dedo espetado à vida alheia por uma língua afiada em relação a assuntos que não são seus. A pessoas que conhece a cara, a voz e as rotinas. Nada mais. Nenhum seu que nos seus não há maus exemplos nem pecadores. São pessoas com o amém na boca e a mão a bater no peito. Correctos. Como se quer. 

- Só digo a verdade - a sua pelo menos que a verdade dos outros conta pouco em situações destas. 

A sua está sempre contra os outros. Boca cheia para cuspir no caminho que os outros fazem.

Conversas de esquina e de bancos de igreja. De casa. Falam de boca cheia e visão bloqueada por palas que não deixam ver além das suas verdades. Se é que se podem chamar de verdades. 

- É só má vida, uma vergonha. 

Não tão grande como falar da vida alheia, mas isso são outros quinhentos e para esses não há razão que se aplique. Porque não se quer que assim seja. Porque olhar para dentro das paredes a que se chama casa implica olhar para os seus. Tal e qual como eles são. E quando se olha com atenção ainda se pode encontrar alguma coisa que não se queira ver. Com eles, os seus, não há mal dizer que entre. 

Os sorrisos para os que se cruzam consigo escondem as facas afiadas que espetam nas suas costas.É o ser menor do que aquilo que se pensa. A pequenez das palavras que se escolhe para atirar aos outros.

Afastam-se das mentes que dizem ser pequenas, da terra que acreditam não ser suficientes para eles. Falam dos que ficam para trás com uma altivez que só quem se acha melhor do que os outros pode ter. Deixam a terra, mas as ruas da má língua ficam-lhes coladas ao corpo. Uma doença crónica de mal dizer e nariz empinado como sintomas.

Qualquer dia foge-lhes a boca para a verdade e dão os seus como iguais aos outros. Dignos de juízos de valor e pecadores. Tal e qual como os da porta ao lado. Nem mais nem menos. Feitos a papel químico. Qualquer dia não há mão a bater no peito que lhes valha e nada que os salve de quem desenrolou a língua para falar de boca cheia daquilo que não conhece. Vai-se a ver e, qualquer dia, são eles que andam de facas espetadas nas costas.

Comentários

  1. Ah, como é fácil criticar os outros. Fico com uns nervos! :)

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    1. É muito difícil não ficar irritada com os falatórios. É mesmo de ficar com nervos :)

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