A roupa de baixo

Diziam que o dia ia ser de calor,  que os ventos já denunciavam a mudança de estação e a chegada do calor da primavera. Era o que diziam, mas, na hora a que a festa saiu à rua, o dia transformou-se em noite e a água caiu com mais força do que nos dias de inverno. 

Andores na rua, fatos feitos para a ocasião, sapatos que roíam os calcanhares e um peso de água daqueles que não havia memória. 

- Que sorte esta - diziam uns para os outros. 

- Haja vergonha - respondiam os outros quando viam os olhos dos homens a arregalar. 

Nem disfarçavam, deixavam-se ficar ali. Olhos nelas e um sussurro para o colega do lado. 

Ali estavam as mulheres. Bem arranjadas que a ocasião assim o pede e o dinheiro estica quando tem de ser. Elegantes no fato novo, costurado com as poses que tinham, mas feito com o esquecimento de levar a chita à água. E todas vestiam assim. Agora, que a chuva caía a bom cair, era ver a saia passar do meio da perna para o joelho com a promessa de continuar a encolher. 

Elas bem que puxavam, mas o saiote branco já estava à mostra. O que valia é que aquele era o dos dias bons e até tinha direito a uma rendinha para compor, mas a continuar assim não havia saiote que as protegesse do olhar alheio. Algum mais afoito ainda via mais do que devia que os cullotes eram só para quem os podia pagar. Por baixo do saiote estava o corpo como Deus o fez e nada mais. 

- Que Deus nos valha - lamentavam elas enquanto se tapavam como podiam. 

As mangas da camisa a dar pelo cotovelo e o tecido a estreitar. O corpete que levavam por baixo a mostrar-se no tecido encharcado. Nem era preciso puxar pela imaginação. 

Uma pouca vergonha nos tempos em que se dar ao respeito valia mais do que um bolso cheio de moedas. Ainda por cima para as mulheres.

Recolheu a festa sem chegar a sair. Se é verdade que a chuva abençoa também se sabe que só quem cumpre é merece tal benção. 

Voltaram as mulheres a casa, de passo apressado e corpo encolhido. É preciso salvar a decência que ficou. Mesmo que, aos olhos de quem condena, pouco valha o que há a salvar.

Comentários

  1. Eu sou uma cusca deste blog ,e cada dia mais surpreendida fico .Muitos parabéns Vânia ,hoje não fiquei calada

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    1. Obrigada:) e esteja à vontade para comentar sempre que quiser :)

      Beijinhos

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  2. Ninguém prevê o tempo por isso haja bom senso e paciência para adiar um evento tão importante!
    bj

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    1. De vez em quando o tempo faz umas rasteiras deste género. Nem as raparigas estavam preparadas. :)

      bjs

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    1. Foram apanhadas desprevenidas e coisas destas acabam sempre em falatórios daqueles passam de boca em boca :)

      Beijinhos

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