Uns pelos outros
O trabalho fazia-se aos poucos. Quando chegava o fim-de-semana ou o calendário marcava dia feriado. Como era por boa vontade, até em dias santos estavam prontos a arregaçar as mangas. Só era preciso força de vontade para a coisa acontecer e isso eles tinham para dar e vender. Já lhes estava no sangue.
Era sempre assim. Quando um precisava, apareciam todos. A troco de nada. Ou melhor, a troco de umas quantas cervejas e mais umas conversas que nunca se sabia como começavam.
Conheciam-se desde miúdos. Nascidos no mesmo ano, primos ou amigos dos irmãos uns dos outros. Não havia justificação para a amizade. Tinham crescido juntos, só isso. Por isso, quando um deles anunciava intenções de subir ao altar, os outros juntavam-se para construir a casa. Era dar empreitada para as fundações e para erguer as paredes que eles tratavam do resto. Depois disso ainda havia tanto para tratar.
Cada qual tinha o seu ofício e os que não o tinham também davam uma mão que havia sempre trabalho para mais um. O electricista e o pedreiro, o canalizador e o estucador. Até o que trabalhava mais bem vestido. Todos eles sabiam o que era dar serventia. Todos eles apareciam quando era preciso.
- Por este andar ainda te casas antes do reboco estar terminado - diziam em tom de graçola. Toda gente sabia que quem casa precisa de casa, mas uma piada vinha sempre a calhar.
Eles lá continuavam até a chave estar na porta. Sempre que havia dias livres e que o tempo deixava.
Começavam cedo que o corpo nem sabia ficar deitado até tarde e por ali ficavam até ser noite. Almoçavam juntos que a noiva e a família tratavam de lhes dar sustento. Toda gente sabe que de barriga vazia não se trabalha. Uma carne para dar força, um pão de ló para adoçar a boca, um copo para ajudar a engolir.
- Ó pá, tu cala-te - diziam quando lhes perguntavam quanto queriam receber.
Estavam ali para ajudar o outro que já os tinha ajudado a eles ou que também ia aparecer quando fosse a sua vez de fazer casa.
Eram uns pelos outros e nem se falava mais nisso. Era por isso que ali estavam. Uns pelos outros. Para o que fosse preciso.
Gostei do que li Vânia, consegui ler alguns textos e gostei da escrita, da intensidade das palavras.
ResponderEliminarParabéns,
Beijinhos,
http://chicana.blogs.sapo.pt/
Obrigada pela visita e pelo comentário :)
EliminarBeijinhos
Será que este companheirismo ainda existe? - pergunto eu, uma descrente.
ResponderEliminarNas terras mais pequenas ainda existe companheirismo, principalmente entre os mais velhos. As pessoas ajudam quando os outros precisam, mas não é como antigamente. Mudam-se os tempos...
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