Arroz Doce e Coscorões

Os pratos do almoço ainda estão em cima da mesa quando se começa a ouvir a algazarra. Sem direito a aviso, os miúdos invadem a rua com os seus risos e passos apressados. Tempo é dinheiro e é preciso despachar, há muito mais à espera. 

São uns dez. Todos a tentar equilibrar um prato muito bem tapado com um pano daqueles bonitos. Com alguma sorte ainda é um dos que têm um picot à volta, feito com todo o rigor e dedicação que o trabalho merece. 

Lá vem um a descer a rua a correr. Traz o prato vazio debaixo do braço e o pano dobrado em quatro com todo os cuidados. Está pronto para a próxima ronda. Pisca o olho aos colegas em ar de provocação e segue caminho. Ouvem-se gritos de protesto. Uns risos logo a seguir. Toca a apressar mais o passo ou perde-se o negócio. 

- Eu fico por aqui. 

Batem à porta e esperam. Do outro lado ouvem-se passos. Assim que a porta abre entregam o prato ao destinatário sem hesitar. 

- Então e quem é que se casa? 


E eles, com o recado na ponta da língua, explicam o que os traz por ali e quem os mandou. O arroz-doce é passado para um novo prato, com todos os cuidados para não partir, e os coscorões são guardados. 

- Não há arroz doce como o dos casamentos – comentam os da casa enquanto provam o que ficou agarrado aos dedos e procuram a carteira. 

Uma nota para os noivos e umas moedas para o miúdo que as guarda no bolso. Mete o prato já lavado debaixo do braço, arruma o pano e despede-se apressado que ainda há muita entrega para fazer. Assim que chega à porta é vê-lo a correr rua fora.

Já não me lembro da última vez que os vi a encher as ruas de prato na mão. Ou a contar o dinheiro ao final do dia. Já não se anuncia casamentos assim. Com direito a arroz-doce e coscorões. Hoje, nem a travessa chega a casa da madrinha da noiva. 

- Mudam-se os tempos – ouve-se dizer num suspiro saudosista.

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