Levas uma maquia

Juntavam-se num qualquer degrau ou esquina, enroladas numas mantas quentes ou nuns lenços escuros e tinham conversa para dias inteiros. Não fosse a sopa ao lume, o feijão de molho ou o homem que estava quase a chegar e lá ficavam elas a saltitar de conversa em conversa sem nunca abandonar os seus lugares.

Viam o sol subir e a aldeia a ganhar fôlego. O grupo de miúdas que passava com risos meio escondidos e uma voz um bocadinho mais alta do que era suposto.

 - Não há nada que alumie estas almas – diziam elas, as que ficavam à esquina. Mais velhas e criadas sobre outras regras e bons costumes que não incluíam licença para falar mais do que o estritamente necessário.

 Não entravam na taberna que isso era território dos homens e mulher decente não entrava lá. O ambiente pouco próprio, o cheiro a vinho, a desgraça alheia e a própria.

 - Oh Manel, vai lá ver se o teu pai anda pela taberna – e lá ia o miúdo, lingrinhas e esperto, a correr rua abaixo em direcção à casa escura e a cheirar a destilaria, à procura do homem da casa que já devia ter despegado do campo, mas que não dera sinal de vida.

Elas ficavam, sentadas no degrau da casa a fingir que arranjavam favas ou ervilhas, e falavam do que sabiam e do que não sabiam. Da vida da vizinha e da filha do outro que veio da cidade e não sabia estar com as regras mandavam. As regras que só elas e as pessoas que viviam naquele pedaço de terra conheciam. As meninas não andam sozinhas, não falam com os homens, não andam em gargalhadas. As meninas a sério, das que se querem para casar, sabem ser o mais invisíveis possível e viver caladas na desgraça que pode ser a vida.

 - Vou mas é terminar o jantar – e lá voltava ela para o lume e a sopa, para o feijão a demolhar e a roupa que era preciso arranjar.

A conversa podia esperar, o marido é que não podia chegar a casa sem que ela já estivesse por lá. De repente, lá entrava o miúdo pela casa dentro, sem pedir licença ou fazer-se avisar.

- O pai não está na taberna.

E crescia a preocupação nela, num sofrimento que era ponto assente na sua vida. O sol que já mal se via, a sopa que já estava pronta e o homem que não tinha meio de entrar em casa.

O barulho do copo a partir-se no chão devolve-a à realidade em que o filho, a sofrer de bichos-carpinteiros, foi parar ao chão com um copo partido ao lado e um joelho feito num belo oito.

 - Tu mete-te com juízo ou levas uma maquia tão grande que voltas a baldear.

O miúdo calou-se, não fosse a coisa sobrar para seu lado e baldear a sério com uma maquia daquelas que ele bem conhecia. Só se ouvia a sopa a borbulhar no lume enquanto se esperava que a porta desse entrada ao homem da casa.

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