Água e Hortelã

Para lá do portão feito à mão com tábuas que sobravam disto e daquilo, ou do sítio onde devia estar um portão para o qual o dinheiro não chegava, há um outro mundo onde o trabalho começa antes do sol nascer. Seja dia de temporal ou haja aviso de seca.

A terra castanha e enlameada é trabalhada até estar pronta para receber as sementes e as regas. Um quadrado de terreno não pode ser desperdiçado. Antes pouco do que nada, que o pouco ainda alimenta e o nada deixa-nos de estômago vazio.

Homens de enxada às costas e mulheres com baldes à cabeça. O dia começa cedo. Trabalham na horta de casa, antes de partirem em romaria para os terrenos dos senhores, que lavram até ser noite. Os homens de boné e calças grossas. As mulheres de avental e lenço enrolado na cabeça. Eles de enxada. Elas de cesta à cabeça. Tal como em casa. 

É naquele terreno que chamam de seu, por muito ou pouco que desse, que se tira parte do sustento para a família. Não há dinheiro para gastar naquilo que se pode poupar. O descanso só vem nos dias santos. Nos dias que pertencem à fé não se trabalha que é assim que manda a tradição. Por respeito. 

Planta-se tudo o que o terreno permitir. Medem-se os canteiros ao milímetro. Guita de um lado ao outro e o rigor das medições de esquadro e régua feitas pelo olho treinado de quem faz aquilo desde que nasceu. Quando a horta começa a rebentar a obra de arte aparece em todo o seu esplendor. 

O feijão-verde trepa pelas canas que estão espetadas na terra. As batatas começam a florir. O tomate vai espreitando, vermelho e gordo, debaixo das folhas verdes e viçosas. 

E chega a época da colheita. De revirar as terras e colher o fruto do trabalho e da espera de tantos meses. Os barracões ficam cheios de batatas. Dos tectos pendem cachos de cebolas entrelaçadas umas nas outras. Apanha-se a couve para juntar às misturadas que iam alimentar a família naquela noite. E na outra a seguir. .

Que Deus nos dê água e um tranquinho de hortelã, a horta mata a fome de quem a semeia.




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