Dias de calor

Quando chegam os dias quentes, a água perde pressão nas torneiras de casa. Não chega a falhar e tal problema nem chega a durar o dia todo, mas quando o sol começa a querer desaparecer, a água é precisa nos campos. Nessa altura, naqueles pedaços de terra que servem de horta e quintal, as mangueiras esticam-se para dar início à rega. A terra seca suga a água assim que ela lhe toca e o ar cheira a calor, terra molhada e hortelã com toques de ramos de tomate. É a isto que cheira o verão, a horta pronta a colher. 
Um quadrado de terra devolve na mesma proporção do que cada um aplica. As folhas crescem dos ramos e preparam caminho para as flores que se transformavam em frutos e legumes. Meses de trabalho que, se o tempo não passar rasteira, compensam em comida fresca no prato e um barracão  cheio com o que se guarda para o Inverno. Não é muito, mas batata e cenoura mata muita fome. Junta-se uma concha de água para o caldo e a hortelã para o sabor e há sempre uma sopa para aquecer o estômago. É agora, quando os dias são longos, que se prepara a pobreza dos dias frios. 
É agora, com o sol a queimar, que homens e mulheres, andam curvados no campo a cavar a terra e a deitar-lhe semente. A espetar canas que ajudem as plantas a crescer. De joelhos a podar o que pede atenção e a colher o que houver quando chega a altura. Ali, todos trabalham. 
Estes dias prolongam-se para lá da hora de jantar, quando a noite já se instalou mas mantém a companhia da última luz do sol.  As janelas ficam abertas numa tentativa de refrescar a casa, mas o vento que se sente lá fora é fraco e quente. 
"Está a adivinhar calor para amanhã, é o que é". O corpo já está habituado. Desde que se lembra de existir que sente o sol a queimar-lhe a pele. Pescoço, cara, decote e braços mais escuros que o resto do corpo onde ainda se adivinha a cor de lençol acabado de lavar. 
" É mais um dia", igual ao anterior e tal e qual os que lhe seguem. 
"Enquanto assim for", pensa sem coragem de acabar o raciocínio. 



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