O Luto
Segue o seu caminho já com o corpo debilitado pela idade. As costas não se endireitam, as mãos estão calejadas e os passos são apoiados pela bengala de madeira. Leva um saco de pano na mão com três pães e até isso parece demasiado para as suas forças.
Veste preto da cabeça aos pés. Cabelo escondido debaixo do lenço escuro, saia e camisa preta, meias e chinelos da mesma cor. Xaile pelos ombros.
Poucos são os que se lembram de a ver com luto aliviado e já ninguém se lembra dela com as cores vivas que usava quando ainda era jovem e corria pelas ruas. O vestido vermelho com bolas brancas que a mãe lhe tinha costurado, a camisa às flores que estreou no ano em que subiu ao altar.
Outros tempos.
Casou-se e teve filhos. Três. O segundo morreu no ano em que fez dez anos. Ela tirou a camisa às flores e vestiu-se de preto. O período de luto cumprido à risca.
Três anos de preto e só depois é que começou a aliviar.
Substituiu o preto pelo azul-escuro e pelo cinzento. Com o passar do tempo até sentiu coragem para voltar a usar a camisa às flores assim que o aliviar do luto terminasse.
Mas depois foi a mãe que caiu na cama. O pai entregou a alma ao criador. Os sogros também já não eram novos.
Passaram três anos e mais três e outros três e ela sempre de preto. Sem tempo para aliviar o luto que já se impunha nos seus dias.
Depois, quando os anos já tinham passado e a vida já lhe fazia doer as articulações, foi-se o marido e ela voltou ao luto pesado.
Não voltou a aliviar, diz que não faz sentido, que já passou tanto tempo de preto que não consegue ver-se com outra cor e que a sua alma já está assim.
Três anos de preto rigoroso antes de começar a aliviar. Dois anos a deixar respirar o luto. Uma vida inteira a viver com ele.
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