Açúcar e canela

O dia começa cedo, igual a todos os outros. Ainda está escuro lá fora e no fogão já está a cafeteira ao lume com água. Quando ferve junta-se três colheres de café, mexe-se e espera-se que a borra assente. Só depois da caneca de café e do bocado de pão com manteiga é que o dia pode começar a sério. 

É véspera de Natal. Sente-se o frio da época no corpo, mas nem isso demove quem tem o que fazer. Bata vestida, rodilha metida no bolso e pano a tapar o cabelo. Está tudo pronto para começar o trabalho. 

Vai-se buscar o alguidar de barro já meio partido pelos anos de uso e prepara-se tudo o que se precisa. A abóbora cozida, a bola de pão em massa, a farinha, o limão e a laranja e a aguardente e o abafado. Nada fica esquecido. 

Arregaça-se as mangas que o frio de agora vai desaparecer assim que o trabalho a sério começar. Juntam-se os ingredientes pela ordem que está gravada na memória e que é auxiliada pela folha de papel gasta que guarda a receita que vem de outras mãos. 

Amassa-se tudo com vigor e força. Levanta-se a massa em peso para logo a seguir a largar no alguidar. Ouve-se o baque seco do alguidar contra o banco de madeira onde está empoleirado. 

- O alguidar tem de ficar limpo, a massa tem de levantar toda. 

Só assim é que se sabe que ficou pronto. A massa cheia de bolhas a rebentar e as paredes do alguidar limpas de farinha. 

Depois é tempo de descansar, de tapar a massa com os cobertores que se encontrar e deixá-la perto do lume para levedar. Dar-lhe tempo para crescer. 

Quando a massa dobrar o tamanho, é esperar que o óleo aqueça para começar a fritar. Ficar a ver aquela massa esbranquiçada a ganhar volume, a virar sobre si mesma e a flutuar no óleo enquanto começa a ficar castanha. 

 Saem cheios e gordos, a brilhar com o óleo que ainda pinga e a fervilhar. Os mais pequenos esperam para completar as suas funções de passar os doces pelo açúcar e pela canela e, sem ninguém ver, provar um ou outro mais pequeno.

- Vai oferecer este pratinho à vizinha. 

É Natal, cheira a fritos e a canela, a lareira dá calor aos que já estão quentes do trabalho e o café espera que os belhozes lhe façam companhia.

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