Contra os boches

A guerra não era sua, mas também não sabiam de quem era. Era de quem os tinha mandado para ali. Alguns mal sabiam pegar numa arma quanto mais dispará-la. Outros choravam para que os mandassem para casa. Havia quem tentasse desertar, quem ficasse inválido para ser dispensado, quem preferisse morrer a continuar naquele inferno, quem achasse que aquela provação só era justificada se voltassem aos seus. 

Não tinham nada. Nem comida nem munições e as fardas mal se aguentavam. As botas estavam desfeitas, as luvas já se tinham perdido e a farda já não os protegia do frio. Já não conseguiam ter ânimo. 

Estavam longe de casa e dos seus. Escreviam as cartas que podiam sem saber se chegavam ao destino, guardavam uma no bolso para o caso da morte se cruzar com eles. Era a despedida para os que em casa esperavam que voltasse. 

Às vezes não voltavam, a maior parte deles ficou lá, perdidos naquela terra que não era sua e onde não compreendiam a língua. Outros voltaram depois de serem dados como mortos e das famílias chorarem por eles. Voltaram doentes e feridos, com histórias de horror que evitavam contar. Não valia a pena, para reviver o sacrifício bastavam as feridas que não cicatrizavam. Tormentos dos dias metidos em água putrefacta e com os pés enterrados na lama. 

Esquecidos por todos, menos pelos seus. Enfiados numa guerra que não era sua. Crianças tornadas homens numa guerra feita em trincheiras. Os que ficaram lá deixaram filhos órfãos cá, mulheres desamparadas e famílias sem notícias. Os que voltaram trouxeram as explosões e o barulho da costureira cravados na memória. 

A guerra terminou, mas só para quem ficou no campo de batalha sepultado em campas sem direito a nome. Quem voltou, trouxe-a consigo.

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