Enxoval na hora da sesta

O trabalho do campo era feito de rotinas. Horas que se cumpriam. O início quando o sol iluminava a terra, o fim quando ele desaparecia e o capataz autorizava. A sesta depois de almoço. Quando o sol quente ensopava os lenços das mulheres com o suor e o corpo ficava pesado.

Duas horas de descanso que eram compensadas no fim tardio para o dia de trabalho. Não havia benesse que não fosse paga com o cansaço do corpo. Mas a sesta dava-lhes um novo fôlego.

Os trabalhadores deixavam os campos e procuravam as sombras das árvores. Os homens esticavam-se em cima de uma manta e deixavam que o sono os encontrasse. Boné a tapar a cara e um ressonar que embala o trabalho das mulheres.

Elas sentavam-se por ali perto. Todas juntas, abrigadas debaixo de uma árvore. Um pano por cima da cabeça para as proteger do sol. Não se deixavam levar pelo sono que tinham obrigações que as esperavam. Levavam a trouxa consigo e de lá de dentro tiravam o trabalho que as acompanhava. Era para si que o faziam. Para si e para as filhas. Para a prima que estava de casamento marcado. Para a outra que ainda era nova, mas ia lá chegar.

O enxoval era responsabilidade da mulher. Era ela que dava à casa o que ela precisava Só uma mulher sabe o que é. Os panos e os lençóis, as camisas de dormir e os naperons, o saco que guarda o pão. As mantas feitas dos tecidos que tinham sobrado já nem se sabia bem do quê. O que era importante era ter. Mostrar que podiam ser pobres, mas que eram cuidadas. Que tinham as suas coisas. Mesmo que feitas por elas que não havia dinheiro para mandar fazer fora.

E as mães e as tias juntavam-se debaixo da árvore quando chegava a hora da sesta e metiam as mãos ao trabalho. As agulhas e os tecidos saíam das trouxas. Lá estavam elas. Rodeadas de linhas e dedicadas ao trabalho. Bordado atrás de bordado. Ponto atrás de ponto.

- Fazes assim: dois abertos, dois fechados e três paus. A primeira fiada é assim.

Trocavam ideias e sabedoria. Trocavam conversas sobre a vida. Mais a dos outros do que as suas. Toda gente tem uma opinião sobre o que se passa na casa dos outros. Ninguém quer que a sua seja tema de conversa.

- Já tenho isto mal.

E desfaziam se fosse preciso. Pernas esticadas e pés descalços a aparecer por baixo das saias. O trabalho em cima do colo para não sujar. Agulha a trabalhar afincadamente e o trabalho quase a ficar pronto. 

- Está feito.

Mais um para guardar na mala onde se acumulava o enxoval. Não faltava muito para que a filha o levasse com ela. Faltava pouco mais para que fosse a sua vez de fazer as coisas para a filha que ainda não tinha chegado.

O capataz dava o descanso por terminado e ninguém faltava à chamada. Os homens guardavam a manta que lhes tinha aconchegado o corpo. As mulheres recolhiam o trabalho na trouxa. Lá voltavam eles, com o sol ainda a queimar e o corpo já marcado do cansaço.

A sesta voltava no dia seguinte. O enxoval lá as esperava.

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