Nas carteiras da escola

Eles já iam a caminho da escola. Cabelos empapados em suor de andar aos pontapés numa bola de trapos. Cansados. Elas ainda esperavam enquanto eles iam indo. 

Esperavam à porta. Todos os dias. Fosse dia de sol ou estivessem num Inverno intenso. Pequeninas e de nariz arrebitado. Bata branca para todas e sapatos só para algumas. Tal como os meninos. Mas elas, bem comportadas e sorridentes, esperavam a professora para a acompanhar à escola. 

Os livros e os cadernos iam dentro das malas que levavam pela mão. Nem sempre de grande qualidade, mas serviam o propósito a que se propunham. Pelo menos para quem tinha cadernos para guardar e livros para ler. Havia uns quantos que entravam de mãos a abanar e olhar malandro que baixavam assim que passavam a porta. Era preciso cumprir as regras.

Respeito era o que se pretendia. Os professores eram a autoridade e os meninos obedeciam. Os meninos e as meninas. Podiam estar separados e elas podiam ganhar em comportamento, mas as regras eram iguais. Dos dois lados do muro. Sem excepção. Quem ousava pisar o risco tinha a régua à sua espera. Ou a cana. Usadas sem dó nem piedade ou arrependimento que lhes valesse. O que se quer é rigidez sem discussão ou reclamação. Era assim e mais nada. Ponto final.

E lá se sentavam dois a dois nas cadeiras de madeira, altas de mais para as suas pernas que ficavam a baloiçar. Atenção ao quadro, à professora. Aprender a ler e a escrever. Saber o nome dos rios e cognome dos reis. Isso e a tabuada. Tudo na ponta da língua sem hesitação na hora da responder. Não havia tempo para hesitações ou respostas ao lado.

- Dona Josefina.

Chamavam a professora com toda a delicadeza, mas pelas costas inventavam-lhe nomes menos próprios. A professora era exemplar nos castigos, eles eram exemplares nas alcunhas. Olho por olho. De tal maneira que anos mais tarde vão lembrar-se da alcunha, mas o nome perdeu-se para sempre.

No recreio as meninas saltam ao eixo e os rapazes espreitam do outro lado do muro. As pernas das meninas dão sempre azo a curiosidade. Depois entram na sala e rezam como mandam os bons costumes. Cantam o hino de mão ao peito e voz colocada como manda a devoção à pátria.

Amanhã há um deles que vai faltar, mas ninguém vai dar por isso. É normal. A escola é obrigatória, mas o dinheiro do trabalho é essencial. Faltam outro e outro logo a seguir. Um dia nem a professora que os controla na missa de Domingo se vai lembrar do aluno em falta.

A escola continua lá. Com  a cana à espera de quem pisa o risco. Com as meninas a acompanhar a professora. Com os meninos a espreitar para o outro lado do muro. Continua tudo lá até ser hora de levar o pão para casa.


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