Regatear na praça

Dentro da praça era uma mistura de cheiros e sons. O peixe fresco. O sangue da carne. O doce das frutas. Os gritos de quem tenta vender o que tem na banca. Demasiada gente na pressa das compras. O tilintar dos trocos que andam na bolsa, contados até ao último tostão. É preciso poupar e estar de olho nas balanças de quem vende.

E ela lá ia para o meio daquela confusão que já conhecia de cor. Palmo e meio de altura e pouco mais do que meia dúzia de anos de vida. Descalça, de cabelo arrumado num rolo debaixo do lenço e camisa abotoada até ao pescoço.

Na praça já a conheciam. O corpo miúdo escondia a sabedoria de quem tinha crescido antes do tempo. Regateava como ninguém. Era isso e apontar os defeitos do que via. Sem hesitação.

Entrava na praça de cesta vazia, um rol de pedidos e a ordem para despachar que havia muito para fazer em casa. E se era verdade que ela era precisa para tratar do trabalho, também era verdade que a senhora não confiava em mais ninguém para tratar do avio. Ninguém tinha o olho dela para a qualidade nem a língua para dar a volta ao preço. A senhora já tinha tentado arranjar outras, mas bastava uma viagem à praça para irem de volta para casa delas. Traziam o peixe com olhos de carneiro mal morto, era o que era. 


Era por isso que a senhora a mandava a ela. Conhecia o peixe só de lhe ver a cor e não admitia outro corte de carne que não fosse o mais tenro. E ai de quem a tentasse enganar que a gaiata era miúda, mas espevitada. 

- Ó menina, olhe que isto é do mais fresco que há.

- Então coma você e que lhe faça bom proveito.

Era a vida na praça. Um pregão atrás do outro e o olhar atento das criadas de cesta à cabeça. A confusão das pessoas que se perdiam por ali e o cansaço dos que ali andavam de pé ainda antes do sol nascer.

E ela, pequenina e miúda, enchia a cesta com o que lhe tinham encomendado. Moldava a rodilha com as mãos até a deixar como queria e metia-a por baixo da cesta que levava à cabeça.Um corpo de criança a acartar com o avio do dia e os tostões poupados a tilintar na bolsa que levava à cintura. Lá ia ela, rua acima. 

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