Ser o que se é

Era diferente. Sempre tinha sido. Não se lhe conhecia outra maneira de ser que não fosse fora do habitual. Fora do lhe era esperado. Era esperado de todos, mas havia quem não cumprisse. Quem fugisse do caminho que lhe estava destinado. Era assim que se tornava alvo do olhar de todos os que lhe cruzavam o caminho. Mesmo dos que já lhe conheciam a exuberância. 

- São as vaidades. 

Era o que diziam. As vaidades, a mania, o querer mostrar-se. A explicação nunca era simpática nem compreensiva. Não era o que procuravam. A verdade é que ou são como todos ou assim são. Não há outra opção. São regras daquelas que nunca chegaram a estar escritas. 

Mas continuava a ser diferente, mesmo com dedos apontados e olhares reprovadores. Mesmo que as conversas se continuassem a fazer ouvir nas suas costas. 

Comentava-se a vergonha que era tudo aquilo. A roupa que só se via na cidade. O chapéu em vez do boné. O vermelho da má fama nas unhas. Um sem fim de coisas que não eram permitidas. A voz dela que se ouvia à distância como se tivesse algo de importante a dizer e ele que parecia tão frágil que ninguém acreditava que nascera homem. 

- Mas é assim que uma pessoa se comporta? - os outros sempre com a preocupação na vida que não era sua. 

A culpa era dos diferentes, daquela mania de se ser o que é e não os que os outros querem. A falta de respeito pela mentalidade que oprime quem não vive refém dela. 

- Olha que as pessoas vão falar - diziam quando aconselhavam precaução, quando tentavam mostrar o caminho que tinham por certo. 

- Já não o fazem? 

- É melhor não dar mais razões. 

A culpa colada a quem nada fez. O esconder daquilo que se é. O ser tudo, desde que o tudo seja o que os outros querem. Até ao dia. Quando o julgamento se torna demasiado duro, quando se procura viver em vez de não fazer mais do que sobreviver. O dizer adeus sem o acompanhar de até um dia. 

Um dia fazem a estrada sem volta e deixam para trás as vozes que nunca se calam. 

- Nunca mais se viu por aqui - é o que dizem dos que foram enquanto apontam o dedo a mais um.

Comentários

  1. Curioso como, independentemente de onde vivas, reconheces os 'sintomas' dos muitos que têm 'uma vida normal'.

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    1. Os que têm uma "vida normal" gostam sempre de espetar os dedo na direcção de quem vive a vida como quer. Acho que é assim em todo o lado, mas em alguns sítios as pessoas não sabem disfarçar.

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