Caminho de Lisboa

O longe faz-se perto, era o que diziam aqueles que nunca tinham saído dali. Só assim se explicava tal observação. Quando metiam os pés ao caminho era ver o longe afastar-se cada vez mais e o cansaço ser companhia de viagem. 

Lisboa tinha horas de lonjura e dores do caminho feito aos solavancos num autocarro que já era velho quando fez a primeira viagem. O corpo, habituado ao trabalho duro, não se habituava às modernices de andar em carros daqueles. 

A mãe aconchegava a criança nos braços para que não acordasse do sono dos justos, enquanto perdia a conta ao tempo que faltava e pensava no que deixara por fazer. Um sem fim de tarefas que a esperavam e ela ali, arrumada entre a janela e o marido, com o cu dorido dos assentos que eram mais duros do que os caminhos que calcorreava todos os dias e o saco do comer arrumado aos pés. 

Iam na última camioneta, a primeira do dia seguinte chegava já depois da consulta e era preciso fazer o sacrifício. Não fosse a doença e era ver se eles se faziam a um caminho daqueles em que os carros andavam mais devagar que os passos dos homens. Às vezes, a confusão era tanta que tinham de parar até que os condutores percebessem quem avançava em primeiro lugar. Um confusão que se não fosse vista ninguém acreditava. 

Quando chegavam, já era noite. Valia-lhes a guarida de um dos que tinha deixado a aldeia e fazia vida ali. Dormiam sentados, que nem na cidade o espaço abunda e em casa alheia é preciso fazer cerimónia. Eles são remediados, mas sabem estar. 

No dia seguinte, já os espera a camioneta da hora de almoço. Caminho de volta para a santa terra com o corpo a tremelicar dos solavancos e o papel do médico a roubar trocados. 

Que lhes digam que o longe se faz perto e eles respondem, sem papas na língua, que Lisboa pode ficar lá onde está que eles não a querem.

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