Que o maio não entre

Abril findava e eles cumpriam os passos de todos os anos. De tesoura no bolso, faziam-se aos caminhos que não eram mais do que carreiros mal semeados, em busca das flores que nasciam sem regras pelas colinas da serra. Voltavam de braços floridos. As flores amarelas e pequenas a resistir ao vento que soprava mais forte.

Já em casa, com Maio a bater à porta, arrumava-se a giesta em ramos improvisados. Galhos de flores metidos nas fechaduras e entalados nas janelas. A benção a todas as casas que se alinhavam pela rua e onde os ramos brotavam como se de solo se tratasse. Ninguém queria que o maio lhes entrasse pela porta sem encontrar entrave que lhe encurtasse o caminho.

Protegiam-se do mal que não conheciam, mas que lhes tinham dito que espreitava naquela noite. Uma crença que passava de boca em boca, há mais anos que do que aqueles que eles sabiam contar. Era um ar gélido, uma desgraça que se aproximava, um mal maior sem que o nome fosse pronunciado e a benção reservada a uns ramos que cresciam sem regra nas encostas que lhes guardavam as casas. Os que ainda por ali andavam, cumpriam o ritual dos antigos. Era melhor trabalhar pela protecção do que ter de lidar com a ruína quando o maio entrasse pela porta que tinham deixado aberta.

Ninguém queria ficar amaiado que a comida na mesa dependia da força de trabalho e a família não se cria se o corpo não se levantar da cama. É preciso que os campos floresçam para o resto do ano, que as colheitas sejam tão abundantes como no ano anterior. Ou até mais, se Deus estiver por eles. E contra o maio, nem Deus os salva. É por isso que as giestas vão para as portas e a família está de pé ainda antes do sol de dia um romper.

Dos mais novos aos mais velhos, todos se levantam antes do galo dar ordem. Vestidos com a roupa de todos os dias, esperam que o dia desperte. A mãe benze os mais novos que ainda fecham os olhos com o peso do sono que ficou por dormir. Quando o maio chega com o sol tímido da Primavera, a família espera-o acordada e com a casa trancada a flores. O mal que saiu à rua, seguiu caminho sem entrar. O corpo não quebrou. Que continue o ano. Ali, o maio não entrou. 

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