Roupa branca

Davam ordem de início de semana quando desciam a rua de alguidar à cabeça. Os passos atrapalhavam-se com os dos mais novos que lhes seguiam a sombra agarrados à bainha das suas saias num equilíbrio precário que ameaçava ruir a cada tropeção dos mais novos e a que elas respondiam com a destreza que quem está habituada a andanças daquelas. 

Era o rio que as esperava. Pouco para tantas que o procuravam e que dava sempre em gritos antes da roupa ver a água. 

- Então? Aí sou eu! 

- Viesses mais cedo. 

Não havia briga que não desse em conversa ao largo da fonte tal não era o espanto com o descaramento de algumas, mas sem que isso as impedisse de trabalhar. Os quarenta escudos ainda não tinham sido ganhos e já tinham destino e manter a freguesa era ter dinheiro no bolso. 

- Antes pouco que nenhum - dizia uma enquanto separada a roupa de cada casa. Lá de cima vinha a roupa de ‘A’ bordado, duas portas abaixo entregavam a que tinha flor por dentro de colarinho. 

De joelhos calejados no chão, as que não tinham tábua contentavam-se com uma das pedras lisas, e todas se davam ao trabalho. Mãos metidas na água gelada do rio e que lhes cortava pele, músculo e tudo o que encontrasse até chegar ao osso. Esfregavam a roupa com o sabão contado ao milímetro que nem no trabalho se esbanja. 

- A mulher quer-se certa.

Batiam as camisas de encontro à pedra com uma força que nunca se diria que estava naqueles corpos. Os salpicos a chegar a quem estava mais perto e as mãos já a torcer a roupa até ao último pingo. As mais velhas a tratar da roupa das freguesas, as gaiatas a braços com a roupa miúda e os miúdos a correr por ali. Uma cantoria ao longe, um diz que disse ali ao lado. 

E enquanto vinha a conversa e se iam os lamúrios, os campos ficavam brancos de roupa a corar e elas preparavam a dormida que o trabalho mal tinha começado e ainda tinham barrela. Mães e filhos a dormir em tendas que de protecção nada tinham e a roupa de molho no cortiço para ver se a gordura despegava. Lá ficavam as camisas e as calças dos senhores no fundo tapadas com lençol branco coroado a cinza e a água a escorrer por ali até à roupa. 

Na manhã seguinte, acordadas daquele sono quase ao relento, a água gelada que corria na direcção do mar que nunca viram, lavava-lhes o corpo para logo a seguir receber a roupa que lá mergulhavam para a última volta. 

No caminho de regresso levavam a roupa a cheirar a limpeza e campo, e traziam os mais novos na sua sombra. Corpo moído num hábito que nem chegava a cansaço e mãos geladas de dar asseio à roupa dos outros.

Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares