Finados

 Fazem-se às campas na missão de limpar a última morada dos seus. Não que eles que já se foram o saibam ou que se importem, todo este ritual é para quem ainda por cá anda.

É um lavar de alma quando se atira a água para cima da pedra fria. Um novo fôlego quando se trocam as flores acastanhadas pelas frescas. As mãos a arrancar as ervas que crescem entre a campa e o chão com a violência de quem quer trazer de volta os que já foram.

E depois o silêncio. A cabeça meio tombada a encarar a imagem de quem ali jaz. Dos ossos que ali estão e que são o que ficou de quem se foi. As histórias. As conversas. A vida. Tudo a passar na cabeça de quem ali fica, de pé, sem dar pelo tempo passar. O tempo que continua a contar mesmo depois de alguém que lhes era tanto ter desaparecido.

E a vida continua. Dia após dia sem que o tempo que tanto dizem curar tudo, dê provas da sua eficácia. Talvez seja só um placebo, um comprimido de açúcar que nos faz acreditar que o amanhã vai ser melhor, que amanhã não fará diferença.

Não faz. O tempo não é mais do que aquilo que é. As horas e os dias que passam. O avançar do calendário que nos obriga à vida normal, mas que de vez em quando nos passa a perna. Uma imagem. Um som. Um vulto ao longe que, por segundos, nos faz esquecer o que já não existe.

Lavam as pedras como quem lava a alma. Com a fúria de quem quer os seus de volta. É dia de finados, segundo dizem. Para quem os tem, e dia de finados todo o ano.




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