Por minha culpa

Descalça, empoleirou-se em cima de um banco que já tinha visto melhores dias. Se não tivesse cuidado, ou sorte, o mais certo era dar o dia por terminado com uns quantos arranhões e um banco a menos.

Com a cabeça protegida por um pano da loiça a fazer as vezes de lenço e uma blusa velha por baixo da bata, começou a trabalhar cedo. Ainda não eram sete da manhã quando, só com uma caneca de café no estômago, começou a caiar a casa. As paredes já tinham visto melhores dias e estava a chegar a hora de receber a bênção da santa, era preciso dar uma cara lavada à casa de todos os dias para ver se escapava aos comentários pouco disfarçados das vizinhas que faziam vida a desfazer da vida dos outros.

Era um passatempo que ocupava muitas mulheres a todas as horas do dia. Os homens também, mas eles disfarçavam mais. Ela não podia dizer que não percebia o encanto. A verdade é que enquanto falava da vida dos outros desviava a atenção da sua, mas não saber o que eles diziam quando ela não estava deixava-lhe o coração apertado.

Não podia controlar a lingua das vizinhas, mas podia dar-lhes menos razões para falarem quando viessem atrás da santa a fingir que pediam perdão pelos seus pecados. Ninguém pedia perdão quando apontava o dedo aos outros. Por muito que batessem com a mão no peito. 

"Por minha culpa, minha tão grande culpa"

Nada daquilo era sentido.

E ela fazia o mesmo. Gostava de pensar que era melhor do que as outras, mas na verdade eram todas iguais. Um "ouvi dizer" seguido por um "eu sempre disse" e sempre com um "aquilo é uma falsa" metido pelo meio.

E ali estava ela, desde manhã cedo, descalça, com a roupa e a pele salpicadas de cal, mas com o estômago quase vazio. Os outros só podiam falar daquilo que viam. 

Comentários

Mensagens populares