As pancadas

A sala estava cheia e o portão ainda não tinha fechado. Havia quem ficasse lá para trás, de pé. Encostados ao balcão onde se serviam bebidas antes de começar o espectáculo. E durante, se fosse caso disso.

Era uma plateia improvisada, Com cadeiras de metal que primavam pelo desconforto. A sala era fria. Nas noites de Inverno fazia tanto frio como na rua. Quem aparecia já sabia ao que vinha. Apertavam mais o casaco, aconchegavam o cachecol e ficavam. Não havia desculpa para ficar em casa. Iam para se divertir e isso justificava tudo. Iam para ver aquele miúdo que tinha tanta graça que bastava entrar em palco para na sala rebentar numa gargalhada geral. Se ele quisesse podia ir longe, ouvia-se dizer.

A cortina, vermelha como manda a tradição, estava fechada. De vez em quando ouvia-se um riso do outro lado ou alguém espreitava.

- A casa está cheia - diziam lá para dentro.

No meio do corre-corre entre a maquilhagem e a roupa. Eram cotoveladas e "Chega para lá" que o espaço era pouco para todos os que iam entrar. Alguém olhava para o relógio só para confirmar as horas. Estava quase a começar. E a sala já estava cheia. Reviam falas e marcações. Olhavam ao espelho mais uma vez. As mãos tremiam. Era noite de estreia.



Do outro lado da cortina aproveitavam para pôr a conversa em dia e para escolher os últimos lugares. 

- Oh menina, sente-se aqui à frente que aí não vê nada. Eu troco consigo.

E lá se ajeitavam. Puxavam de um lado, encolhiam do outro. Cumprimentavam o vizinho e fazia-se silêncio assim que se apagava a luz. Esperavam pelo sinal.

Ouviam-se as pancadas secas na madeira. Estava na hora. O abrir apressado da cortina revelava o cenário e os actores, vizinhos de todos os dias, entravam em palco. Com outras histórias. Maquilhados e vestidos como outros que não eles.

Começava o espectáculo. A sala em silêncio. Todos atentos. Entrava o tal miúdo em palco e a gargalhada geral enche a sala.

- Se quisesse, podia ir longe - ouvia-se alguém dizer.

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