À cabeça da mesa

Ouvem-se as oito badaladas dadas pelo relógio da igreja. 

O miúdo, apanhado de surpresa com a hora avançada, corre na direcção de casa. São oito horas. O sino continua a tocar. Corre o mais rápido que pode, sem abrandar por nada. 

Entra em casa e senta-se à mesa quando se ouve o último sinal da hora. São oito horas e ele sentou-se na mesa a tempo, mas sem conseguir fugir ao olhar reprovador do pai. 

- O jantar está na mesa às oito. 

Sem falta. Às oito horas a mesa está posta, o jantar terminado e a família tem de estar sentada à mesa. Quem não está a horas, não janta nem tem direito a comer seja o que for até ao dia seguinte. 

O miúdo não responde e baixa os olhos. Regras são regras e ele sabe disso, mas a brincadeira deixou-o distraído. ~

O homem da casa, de pele queimada pelo sol e mãos marcadas pelo trabalho, senta-se no topo da mesa. Homem de poucas palavras e mão pesada, todos o são. O sentimento, por muito que exista, não deve ser mostrado. 

A mulher levanta-se e serve-o. Primeiro ele: o pai, o marido, o homem da casa. É para ele que se guarda o melhor pedaço de carne, quando a há. É a ele que se enche o prato com a sopa antes de todos os outros. É assim que tem de ser. É ele que anda trabalhar desde que o sol nasce até que ele se põe. Ela também trabalha, mas deve-lhe obediência. 

Os outros esperam. Em silêncio. Divide-se o que sobra pelos filhos. Uma sardinha alimenta mais bocas do que aquelas que se julgavam possíveis. 

Primeiro está o homem.

Comentários

  1. Muito bem! Só agora tive conhecimento da existência deste blog. Apesar disso, não me coibirei de "devorar" o conteúdo das histórias nele apresentadas. É o espelho das vidas de outrora (algumas são bem atuais) por essas aldeias fora.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares