Ai meu rico santo
Os dias longos anunciavam o Verão que estava mesmo a chegar. Tempo quente e noites cada vez mais curtas a chamar os vizinhos para a rua.
Metiam-se as comemorações dos dias santos nos quais não se trabalha que tal coisa é pecado. Dia santo é descanso e devoção, dias de santos é tradição.
A fogueira preparava-se todos os anos no mesmo sítio onde sempre tinha sido. Lá no largo já todos a esperavam. Troncos grossos prontos a arder noite dentro com o fogo a iluminar as conversas e a noite de folia. Estão todos convidados mesmo sem convite formal. Já se sabe que é assim, todos os anos igual.
Quando o sol começa a fugir e a noite quente começa avança, já a fogueira arde em labaredas que metem respeito. O ar fica impregnado com o aroma a rosmaninho que se lança ao fogo e que desperta as memórias das noites de santos que por ali se vivem desde que se nasceu.
Há sempre música e qualquer coisa que acalme o estômago. Juntam-se homens e mulheres, novos e velhos.
Os miúdos saltam a fogueira sem medo num ritual de passagem em que parecem mostrar que já cresceram mais do que aparentam. Lá vão eles, atrás uns dos outros a saltar troncos que se desfazem em cinzas e com as labaredas a morder as pernas.
É uma noite para esquecer os dias sempre iguais e as tristezas que a vida dá. Para se rezar a Santo António e beijar a medalha de São João enquanto se roga um pedido. É dia de santos, é noite de festa.
O sino da igreja dá o sinal de meia-noite. Um dia que finda e outro que principia e as meninas que agarram na alcachofra fechada que colheram nessa tarde. Ao som das doze badaladas avançam para a fogueira e queimam a planta na fogueira.
- Ai meu rico santinho - pensam para si enquanto guardam as alcachofras chamuscadas das labaredas.
Levam-nas consigo para casa, escolhem uma jarra e deixam-nas em água durante a noite. Ficam em cima da cómoda, mesmo aos pés da cama, e esperam pela manhã. Deitam-se de coração esperançoso que o amanhecer faça florescer a alcachofra chamuscada. Se assim for, o amor que aquece o seu coração é seu para a vida, mas se não florescer é porque não está destinado a acontecer.
É a alcachofra que abençoa o casamento que se ambiciona.
Mais um ano de festejos, de pedidos a Santo António e saltos corajosos à fogueira. Mais um ano de corações apaixonados a confiar no que alcachofra tem para contar.
Viva Santo António. Viva São João.
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