Hora do recreio

Mal se ouve a campainha, abafada pelos gritos e pelas correrias dos que deixam os livros e saem à procura dos minutos brincadeira que lhes são devidos.
Vão ficando por aqui e por ali, espalhados pelo recreio limitado pelos muros da escola. São grupos que se formam em cada espaço livre e começa a ouvir-se as suas cantigas que entram até no ouvido mais distraído.

"Aqui vai o lenço / Aqui fica o lenço"
Em frente à porta forma-se uma roda. Um anda à volta da roda de lenço n amão à procura da vitimo onde o vai largar. No meio, há outro que não tira o olho daquele bocado de tecido à espera da sua oportunidade. Andam assim a roubar lugar uns aos outros com uns quantos encontrões pelo meio e uma cantiga repetida vezes sem conta.

"Que linda falua que lá vem, lá vem / É uma falua que vem de Belém"
Uma fila de meninos percorre a escola até chegar aos dois barqueiros que os esperam. A fila lá passa por baixo dos braços que se transformam em ponte. Vão cantarolando que a falua vem de longe e que há filhos pequeninos para sustentar. Uma tristeza sem fim transformada em alegria na voz daquelas crianças. No fim, há um que fica para trás. Banana ou morango?

"Chega à noite acende uma fogueira / Logo a seguir toca o violão" 
Mesmo na porta da escola juntam-se dois grupos de costas uns para os outros. Estão aos saltinhos enquanto cantam que já conhecem bem as manhas de alguém que não se sabe bem quem é. Antes de voltar tudo ao mesmos, há dois, um dois que dançam enquanto se ouve um iupi iupi ai ai. Coisas de miúdos.

Lá ao fundo, ouve-se o barulho da corda a bater no chão de terra. Duas meninas dão a volta à corda com toda a força que têm enquanto uma ganha balanço para entrar. Salta com os dois pés e com um de cada vez. Faz mais uns malabarismos pelo meio e consegue ganhar à corda. Sem tropeçar. Entra outra e ali ficam, quase sincronizadas, até que a corda se enrola nos pés de uma delas e é altura de dar a vez a mais alguém. "Próximo!"

"É golo! Gooooooooolo!"
Vem lá de longe, por detrás da escola. Miúdos transpirados e cheios de pó, correm de um lado para o outro atrás da bola enquanto gritam por falta para um árbitro que não existe. A bola já viu melhores dias e os sapatos estão marcados de tantos chutos, mas a verdade é que a baliza está mesmo ali e o guarda-redes nem vai perceber por onde é que ela passou antes de ouvir os gritos de #Golo!"

Volta-se a ouvir a campainha. É hora de voltar aos cadernos e aos livro. Lá vão eles, vermelhos de tanta correria, a falar pelos cotovelos que a excitação do recreio não acalma com essa facilidade. Fica a corda esquecida no chão e a bola parada ao fundo da baliza.

Cai o silêncio no recreio que fica à espera que o próximo toque lhe devolva a vida.

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