Os registos de outros tempos
Foi sempre assim. Eram elas que desapareciam sem que se percebesse que era isso que estava a acontecer. O sobrenome que se esconde depois do casamento. Antigamente, perdia-se sem deixar certezas sobre se alguma vez tinha chegado a existir.
As mulheres eram fantasmas. Ainda antes de entregarem o corpo à terra tornavam-se naturalmente invisíveis. Era o esperado. Ficavam presas a alcunhas que saltavam das bocas da aldeia para os registos que se faziam. Um só nome no baptismo. A alcunha como sobrenome nos seguintes. No casamento. Na morte. Nos nascimentos dos filhos que quando nasciam elas tinham a mesma sorte.
O seu nome associado ao nome da mãe. Lá ia a Maria, filha da Adelaide, que com o tempo se tornava a Maria Adelaide. Primeiro e último nome escrito na letra trabalhada do padre que registava o seu casamento.

Vidas que quase se tornaram anónimas para a eternidade. Do convívio da vida podre do dia-a-dia ficou a lembrança na memória de quem já morreu. Para os que vieram mais tarde, não se deixou mais do que um registo sem sobrenome, perdido no meio dos assentos de batizados onde só aparece o primeiro nome do rebento e o nome completo dos que o trouxeram ao mundo.
As mulheres, essas, tinham direito ao nome pelo qual a terra as conhecia. Nada mais ficava escrito.
Como sempre outro texto muito agradável de se ler. E este bem sentido pelas Marias que a aldeia viu passar.
ResponderEliminarParabéns a que junto um beijo
Muito obrigada :) Beijinhos
EliminarFelizmente já muita coisa mudou mas continuamos a ser o sexo mais fraco aos olhos da sociedade.
ResponderEliminarSim, mudou muita coisa, mas ainda há muito para mudar.
EliminarMas ver os registos mais antigos é perceber que as mulheres perdiam os sobrenomes com uma grande facilidade. Se era assim nos registos, no dia-a-dia a vida das mulheres devia ser ainda pior.
Nem imagino como é que seria o dia-a-dia!
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