A anunciar a Primavera

Já se sente a mudança. Os dias estão maiores e as manhãs frias seguem para tardes que pedem que o casaco fique para trás. Sente-se o cheiro a calor e anda no ar o pólen que ameaça os narizes mais sensíveis. 

O verde cobre os terrenos até se perderem de vista e é salpicado pelos pequenos pontos amarelos e frágeis que se dobram ao mínimo sopro do vento. Os miúdos correm por esses terrenos que não seus como se estes lhes pertencessem e, numa tradição nunca falada, arrancam molhos dessas tais flores amarelas. 

São flores simples e selvagens a crescer sem ordem estabelecida. Chamam-se azedas, mas há quem as conheça por chupemelos. Os nomes perdem-se e transformam-se nas bocas que os dizem sem nunca os escreverem. É a sabedoria popular. 

Os miúdos trincam-lhes o caule e bebem a seiva amarga saciando a sede com o manjar que a natureza lhes oferece. Caras lambuzadas e respiração ofegante de tanto correr. Face vermelha do calor que se faz sentir. 

É o anunciar da primavera. Dias quentes e chupemelos a crescer sem autorização e a serem trincados por miúdos que não ligam se o que vem da terra deve ser lavado com todos os cuidados. 

É assim que se faz há tantos anos que se perde a conta, é só começar a sentir o chegar dos dias mais quentes. O anúncio da primavera chama a vida à rua. As mulheres sentadas à porta com panos pela cabeça para se protegerem do sol quente enquanto deitam o olho aos mais novos. 

A conversa faz ali, na calçada, e a vida passa pelas ruas e as conversas são marcadas por observações que dizem que o tempo anda louco. 

Anda tudo louco, na verdade, já nada é bem como costumava ser, mas a chegada da primavera convida a que a vida se faça na rua, à ombreira da porta, enquanto se deita o olho aos miúdos que trincam azedas.

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