Lugar à mesa
O pão já está duro e seco, já se perdeu a conta aos dias que esteve esquecido no saco do pão, mas ainda está bom e nos dias que correm não se pode desperdiçar um naco de pão, mesmo que esteja seco.
Partem-se fatias do que restou e começa ali o próximo manjar que conforta as barrigas que chegam cheias de fome e que dá alento ao corpo cansado.
A receita passa de geração em geração, sem papel onde esteja escrita. É uma arte que as mãos conhecem de cor, sem necessidade de guias ou cábulas.
As batatas já cozem às rodelas, os alhos já foram descascados e arranjados.
Solta-se o aroma do azeite a aquecer no velho tacho. Há pouca coisa que desperta tantas memórias como o cheiro dos tachos a queimar no bico do fogão. O refogado e a sopa a borbulhar, o óleo a aquecer ou o pão a cozer, tudo desperta recordações sem pedir licença. O pão duro que já ninguém quer transforma-se em refeição que nos leva para outros tempos.
A batata cozida e o pão desfeito, o cheiro a azeite quente a alho. O tacho ao lume com aquela pasta esbranquiçada a borbulhar.
Ao lado, o óleo quente pronto a receber o peixe envolto em farinha. As azeitonas à espera na mesa.
Serve-se a manja, rica em tudo o que dizem que nos faz mal, com uma concha bem cheia. O prato a ficar cheio com aquela pasta, o calor a embaciar a vista de quem espera para começar a comer. Uma mão cheia de azeitonas que se largam no prato. As postas de peixe, ainda a ferver, desfeitas com as mãos, sem cerimónia.
A comida envolve-se no prato, troca-se o garfo pela colher e saboreia-se o pão e a batata misturada com o peixe e a frescura da azeitona. Um prato de manja e peixe frito, aquece a alma e conforta o estômago.
As tradições mais antigas chegam à mesa de hoje e trazem-nos o calor e a sabedoria de outros tempos. O pão duro, esquecido no saco de pano transforma-se no manjar que nos mata a fome.
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