Tornar a casa
Cresceram de pés descalços no quintal de casa. Com enxada na mão mais por divertimento do que a mando e tendo galinhas a correrem à sua volta. Livres. De sorriso que dava em gargalhada sem que fosse preciso muito.
Mas esse crescer já foi há tanto tempo que nem há calendário que o lembre. Foi o que foi e a memória não se lembra de tudo. Entretanto já se passou a vida, já as borbulhas deram em rugas e dores nas costas. Passou a vida, veio a idade. Já a morada mudou para a grande cidade, ou para os arredores que por lá ficam, e foi-se o código postal que memorizaram antes de saber ler. A criança deu em homem, o pensamento quis mais do que a terra que os acompanhou desde da primeira hora.
Voltam porque assim tem de ser, porque os pais se recusam a ir dali. Almoçam com um pé na porta e de olho no carro estacionado na direcção da saída.
- Nem me quero lembrar desses tempos - deixam escapar quando alguém conta histórias de tempos já idos.
Preferem esquecer que se fizeram gente ali, numa aldeia que tinha pouco e que foi esse pouco que fez o muito que são hoje. Que em tempos, lancharam com as frutas desviadas do quintal do vizinho porque as casas eram feitas sem muros e os mais novos tinham sempre direito a livre passagem.
- Mas porque é que continuas aqui? - perguntam com ar incrédulo aos que decidiram ficar na terra de sempre.
Os outros, habituados ao ar de quem pensa saber mais, respondem com um sorriso discreto e nada mais dizem. Os que vão levam a certeza que aquele gesto não é mais do que a confirmação de que queriam mais do que têm. Os que ficam sabem que é melhor deixar a conversa por ali e responder com um sorriso que deixa o outro a acreditar exactamente naquilo que quer.
Para quem não quer perceber, não há como explicar que ali, a terra quente do sol cheira a vida.
Um belo texto de cariz bem português!!!
ResponderEliminarbj e adorei ler
Obrigada :) Beijinhos
EliminarA terra tem o coração de quem lá está!
ResponderEliminarGostei muito!
Beijinhos,
https://chicana.blogs.sapo.pt/
E isso mesmo, às vezes é muito difícil esquecer o amor à terra.
EliminarObrigada :) Beijinhos
Lindo Vânia.
ResponderEliminarÉ bom conseguir sentir essa vida, que está tão perto, mas para isso é preciso tranquilidade, que nem sempre se consegue ter. Temos de a preservar, nem que seja por alguns momentos. Beijinhos
ResponderEliminarEssa tranquilidade é muito importante :) Beijinhos
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