Quando Agosto traz a banda à rua

E eis que Agosto anuncia o seu fim com direito a cheiro a pólvora e incenso, bailaricos que nunca terminam e ruas cheias de carros que só aparecem naquela altura. Principalmente ao Domingo, quando o cheiro dos guisados feitos pelas mãos que os embalaram, trazem meio mundo de volta a juntar-se aos que andam por ali durante todo o ano. 

O dia começa com os foguetes a rebentar em seco, sem dó nem piedade pelos que ainda tentam acertar as horas de sono, a anunciar que o sol já vai alto e que é tempo do corpo se fazer ao caminho. As noites de festa são longas para os que a aproveitam e ainda mais para os que a fazem, mas a alvorada não se importa com as horas a que os corpos caíram na cama. 

Em casa, naquelas casas em que o último domingo de Agosto cumpre a rotina de todos anos, dá-se um jeito à farda e escova-se o chapéu. Pega-se na pasta e no instrumento que espera à porta e segue-se o caminho até ao sítio do costume. Aquele que já se conhece só por ouvir os próprios passos e onde se encontram os de sempre. Olhos ensonados, corpos conservados no álcool da última noite e os mesmos atrasos, os mesmos esquecimentos. 

- Não tenho essa música. 

- Há por aí um chapéu a mais? 

Arranja-se sempre qualquer coisa. O desenrasque de última hora que vem com esta coisa de se nascer português. Quando se ouve o bombo a anunciar a chegada da bandeira da padroeira para abençoar os que lhe abrem a pota, já vai longe a lembrança da alvorada. O sol começa a aquecer o dia, a queimar a pele e a obrigar a humedecer os lábios numa água que muitos garantem que devia ser de cevada. A piada batida de todos os anos. A paragem na casa de uns e de outros para descansar as pernas e confortar os estômagos sempre animados pelas lembranças de outros anos. De outros peditórios. Daqueles que já não estão ali. A sensação de casa quando se percorrem os mesmos caminhos e se abrem as mesmas portas de mesas prontas a recebê-los a todos, sem distinção entre eles. 

No caminho, confunde-se o cheiro do refogado que espera as famílias com as marchas tocadas rua abaixo e rua acima. As bolsas a irem de porta em porta. As pessoas que param para os ver passar e que se deixam ficar de mãos acima dos olhos que o sol tolda a visão e eles gostam de os ver passar. 

- Por este andar o peditório termina e já a procissão está a sair. 

Todo os anos as mesmas queixas. Tão iguais que já nem se sabe se são verdadeiras ou se é só a força do hábito a falar mais alto. As horas que passam demasiado rápido, os passos que não se apressam. 

A festa de Agosto, de fé para uns e de folia para outros, a cumprir a tradição de todos os anos. A banda a dar música à aldeia que sai à rua.

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