Chegavam os que tinham ido

Passavam-se meses sem que visse a cor daquela terra. Tanto que a memória ficava enevoada quando se tentava recordar das casas ou trocava as feições dos vizinhos. Pelo menos era isso que dizia a si própria quando falava de onde vinha. Da terra. De onde todos vinham e ninguém se conhecia.

Quando a camioneta a deixava na curva de toda uma vida, saía de sapatos engraxados, roupa engomada e cabelo sem um fio fora de sítio. Impecável. Como se nunca tivesse sido dali. Como se não tivesse nascido duas casas abaixo.

Voltava à terra. Ela que agora vivia na cidade. Ou lá perto, mas que ali contava como cidade. O que importava era o que andava de boca em boca, o que se dizia de peito cheio. O resto era o que só sabia quem o vivia. Quem acordava quando ainda era de noite para fazer o que os outros, os que sempre tinham vivido no meio das avenidas largas, recusavam.

Tinha saído dali porque a vida era melhor lá para aonde ia. Onde não trabalhava ao sol como outros, mas de sol a sol tal como eles. Voltava para ver a terra, para ver a mãe a quem já ouvia a voz sem que a visse no horizonte. O coração sentia a presença de quem tinha dado vida muito antes de ver, era isso que ela lhe dizia. Vinha para matar saudades que dizia não ter. 

Descia da camioneta com uma mala sem peso na mão e o queixo erguido, a olhar de cima para quem era da sua altura. Os outros de pés descalços e ela de sapatos com sola por inteiro. Os mesmos que ficavam guardados para usar apenas aos Domingos e dias santos. Os outros com os cabelos em desalinho e a cara vermelha de tanto sol. E ela aparecia com vestidos sem remendos e cabelos arrumados em bananas puxadas com tempo. Era Domingo a meio da semana. Fazia questão que assim fosse.

Quando voltasse a subir aqueles degraus seria de corpo curvado com o peso das batatas e das couves que levava na cesta. Com a voz da mãe a despedir-se. Depois do tempo na terra. Ia como tinha chegado, de queixo erguido.

- Tem o rei na barriga é o que é.

- Até parece que  não passou fome como os outros.

Nas suas costas ficavam as conversas entre uns e outros. A verdade levava-a consigo. Para a cidade. Ou para lá perto. No sítio onde ficava o quarto com serventia de coisa nenhuma a que chamava casa.


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