Cabeça na água
Os dias eram de um calor estranho. Abafado lá no alto e tolerável quando se apanhava a brisa do mar. Não os conhecia assim. Só secos, com a transpiração a colar-se à pele. Nem estava habituada ao que os olhos me mostravam. Em vez de lezíria a que não conhecia o fim, mostravam-me um azul a que não sabia dizer se era o céu que entrava pela terra ou a água que visitava os pássaros.
O barulho de crianças sem pais por perto, enchia os corredores e os quartos de camas perfiladas enquanto havia espaço. Ali, ninguém dormia sozinho e isto se alguém chegasse a dormir o sono que se pretendia. Era a discussão entre o respeito por quem nos mandava calar, a excitação de estar fora de casa e a ansiedade. Essa maldita que nos fazia verter uma lágrima pela mãe que não nos vinha buscar e que nos deixava sem vontade de voltar.
A primeira vez que ali fui, nunca tinha visto o mar nem sabia o que era dormir numa cama que não era minha. Subi para a camioneta sem vontade de o fazer e deixei a minha mãe do lado de lá da janela a dizer-me adeus. Para mim o mundo acabava ali, no adeus da minha mãe, nos tremeliques da camioneta que me levava, na mala que me acompanhava com mais ar do que roupa. Recomeçou quando senti aquela maresia a refrescar-me a cara.
Andávamos todos de igual. Íamos à praia todos os dias. Não importava se fazia sol ou se o tempo tardava a aliviar. Uma corda a marcar o nosso espaço. Os outros do lado de lá, nós ali. O barulho das ondas a bater na areia, a espuma a recolher a alto mar para voltar a bater logo a seguir. Eu à espera da minha vez sem me importar com a tristeza de quem ficava na areia, vestido, sem autorização para sentir o mar a gelar os ossos e os dedos dos pés a torcer com o frio.
Tinha sorte, agora sei disso. Sem mal que viesse do médico, tinha direito a três mergulhos no mar. Só três. De costas, a tapar o nariz e de boca fechada, e lá me mergulhavam. Um. Dois. Três. E lá voltava eu para ao pé dos outros. A lamber o sal da cara, de cabelo encharcado e com as pernas cheias de areia miudinha.
Quanta emoção nesse coração... Bj
ResponderEliminarParabéns, Vânia Calado!
ResponderEliminarTeu texto é emocionante
A mim, que nasci diante
Do mar. Fico extasiado
Com a emoção, esse dado
Que para mim é bastante
Estranho, como amante
Da água do mar salgado.
Eu amo, à vera, o mar!
E gosto de me banhar
Em suas águas salgadas
Crendo me ser salutar.
Vânia, coloco num altar
Teu texto, um conto de fadas!
Grande abraço! Laerte.
Obrigada :)
EliminarQuanto tempo passavas na colónia de férias?
ResponderEliminarNunca estive numa colónia de férias. Mas conversei com pessoas que passaram algum tempo em colónias nos anos 50/60. ;)
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