Mais um prato de sopa

Do outro lado do vidro, ela espreitava-me. Não o sabia na altura, só mais tarde é que ela me contou o que fazia naqueles Domingos em que me ia visitar. Em que eu achava que ela chegava quando me abraçava, mas na verdade já andava por ali há mais tempo do que dizia.

Para ali estar, também ela se metia numa camioneta quase igual à que me tinha levado e lá ia. Um ror de horas num caminho que a deixava aos tremeliques por dentro, para me ver. E eu passava essas mesmas horas na areia, com a maresia a acalmar o calor, de cara queimada, pele a saber a sal e cabelo que era mais areia que outra coisa. 

Ela espreitava-me enquanto eu almoçava, pouco antes da hora em que tinha autorização para me ver e deixar o pão que tinha cozido para mim mais as roscas de canela que tinham aproveitado os restos do lume e da massa. Eu esperava-a sem saber que já ali estava, a olhar-me fascinada quando eu me levantava para pedir mais um prato de sopa. Sopa de grão, lembro-me disso. “Nunca querias sopa em casa” - lembra-se ela com um certo ciúme mal disfarçado - “e ali, até repetias”. “Dois pratos que me sabiam a pouco”, guardava para mim.

O que ela não sabia, nem sei se chegou a saber, é que a pouca comida que tínhamos em casa, dava para mais horas de estômago cheio do que aquela fartura que por ali serviam. Comíamos a horas certas e do cardápio que apresentavam só mudava os dias. O mesmo lanche da manhã repetido a meio da tarde. Na hora indicada, nunca depois e muito menos antes. O almoço, de sopa e segundo, já vinha quando o estômago se tinha esquecido do pão da manhã. E só havia autorização para repetir a sopa. Nada mais.


No seguimento do texto Cabeça na Água.

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