O que se está cá a fazer

 Já fazia tempo que ele ali estava. Umas duas horas, talvez. Sozinho, no mesmo banco de sempre e de olhos no horizonte que não via. Estava preso nos seus pensamentos e o olhar acabava por ficar perdido no ponto mais longínquo. A boca mexia-se ligeiramente enquanto falava para si mesmo sem emitir qualquer som.

Era assim todos os dias. Boné mal assente na cabeça e camisola de malha grossa fosse qual fosse a previsão para o dia.

Já fora da hora do costume, chegou quem costumava fazer-lhe companhia. Os dois da mesma geração, os poucos que ainda tinham histórias para partilhar de uma mocidade que se tornava cada fez mais clara enquanto o dia anterior se esbatia. Eram muitos quando eram novos. Agora, a maior parte já contava com sete palmos de terra em cima e eles ainda ali estavam. 

Enganavam o tempo assim. O mesmo sítio todos os dias, as conversas sem nexo, o adeus prolongado dito a quem passava. Aos poucos que ainda passavam por ali.

- Mas tu só chegas agora? Pensei que tinhas ido para os teus.

Quem se vê há uma vida não precisa de grandes cumprimentos.

- Não, fui lá com a Maria e ela já não me deixou vir antes de almoço. 

Fosse onde fosse este lá de que ele falava como se estivesse a indicar um ponto certo num mapa.

- Eu queria vir, mas ela não me deixou.

- Mas tu vinhas na mesma.

E o outro, ainda a recuperar o fôlego da caminhada que o levara até ali, tira o boné para coçar a cabeça, e, sem coragem de olhar para o horizonte que o amigo continua a fitar, diz:

- E achas que eu conseguia? Depois de ir lá as minhas pernas já não aguentam a subida até aqui. Tenho de sossegar antes de vir. 

É um aceitar do que a idade nos traz e do tanto que nos leva. Os dois ali quando eram tantos ao início. Os olhos que já não conseguem alcançar como antigamente e as ruas, aquelas que corriam de uma ponta à outra, a moer-lhes as pernas.

- Um homem já não presta para nada, é o que é. Metam-lhe a comida pela boca abaixo e pronto.



Comentários

  1. Tenho saudades de ver esses srs, sempre a caminho da escola primária. Verdadeiras auto biografias... Beijinhos

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