Outro tempo

As saudades que eu tenho das ruas enfeitadas com arcos de lâmpadas fundidas. Do barulho das pessoas que passam à minha porta a caminho do largo, de fazer tempo até ser horas de lá ir. De esperar pelos amigos que batem à porta. De juntar a família para ir à esplanada.

As saudades que tenho dos dias em que o calor sufocava e das noites que pediam uma malhinha para aconchegar. Dos carros estacionados onde havia espaço e mais uns que inventavam um cantinho onde não havia. 

Eram os coelhos que se criavam para o almoço de Domingo, o arroz doce a arrefecer na mesa e a encher a cozinha de canela e o pão de ló que fica sempre bem. Era a toalha do enxoval esticada na mesa do almoço e outra mesa improvisada no quintal para matar a fome aos músicos que já descem a rua.

Chegavam os que são de cá, mas que vivem lá longe. As novidades que se ouvem nesses dias. Os filhos que lhes nasceram, os divórcios que se fizeram, os amores que começavam na calada da noite na ombreira da porta da igreja. A roupa de festa escolhida para ver a santa passar. Cobertas brancas à janela e terço na mão de quem é devoto. Saudades da roupa que, nas últimas décadas, me acompanha na hora da procissão. 

As saudades do cheiro a frango assado e farturas quentes. Das mãos lambuzadas com algodão doce e os gritos dos miúdos em cima do coreto acompanhados dos avisos nervosos dos pais. Era a dança que se improvisava em qualquer lado, os portais transformados em cadeiras e um ou outro que já nem sabiam bem de onde eram. As rifas que sorteavam o que ninguém queria, mas que levavam todos a tentar a sorte.

Eram os dias certos quando, no que ainda sobrava do calor do Verão, a aldeia ganhava vida. O largo que era da festa aprumava-se e as pessoas esperavam que se fizesse luz e que se ouvisse a música. E cantava-se as modinhas que ninguém queria assumir que sabia de cor. Cinco dias que passavam num estalar de dedos e que nos enchiam a barriga para o ano inteiro. Uma luta para que nunca acabassem, para que no ano seguinte tudo se voltasse a repetir.

As saudades que tenho daquilo que tinha como certo. 





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