Menos um ano em trinta

Chegaram e cheirava a terra nova. Terra que se perdia de vista, mas que não conhecia enxada. E era deles. Pelo menos era isso que lhes diziam. Que assim seria quando os trinta anos tivessem passado e as contas ficassem certas.

Tinham casa. Uma casa de banho que levava o nome do buraco que tinha do chão. O vazio. Nada nas paredes e apenas o eco a encher o espaço que nunca sonharam ter. A mobília era a que traziam e a maioria trazia-se a si mesmo, aos filhos e à trouxa que levavam, sem esforço, numa mão. Mas tudo aquilo seria seu. Trinta anos e bom comportamento.

Começaram com o que tinham. Corpo e trabalho. Amanharam a terra a que não viam fim enquanto enchiam o estômago a batatas temperadas com toucinho salgado quando o sol andava pelo meio dia. Sopas pela manhã, toucinho a temperar as batatas à noite e estava arrumado o dia. As mãos calejavam, mas o corpo não quebrava. Quando se nasce habituado a isto, não há nada que leve a força. Deus só nos dá o que aguentamos. Nada mais do que isso. E assim fazia mais um ano e contava-se um sexto do que vinha da terra para ser dado a quem a tinha oferecido.

A fome dos primeiros tempos, calada pelo trabalho nos terrenos dos outros, naquilo que era propriedade que não dava retorno para a casa. Era assim para pagar o que se devia e o que se tinha pedido emprestado. Mais uma rega e a dívida a aumentar. Mais fosse o que fosse o registo feito onde era devido. Mais um ano e a casa limpa tal como se queria.

Um casal dado assim. A quem sempre teve pouco e se vê com tanta terra que obriga o trabalho a fazer-se em horas e fora delas. Entregue a quem mostrava ser de família e exemplar que a quem não o fosse era mostrado o caminho de saída. Mais um ano, se tivesse sorte.

O trabalho, saído do corpo que já era fraco, a dar-se. A fazer terreno daquilo que à chegada não era mais do que pedras no meio da terra onde nada brotava. Os primeiros anos sem colheita, a paciência para vir um dia a colher aquilo que davam ordem para semear. Manda quem pode que sempre assim foi. Mais um ano.

Um terreno que era baldio feito morada de família. Os pés descalços pela estrada, as agulhas a costurar como se quer, o dinheiro a ser pago como é devido. Todos os anos. Trinta até estar terminado.

Ele ao sol e de enxada na mão. Ela de lenço à cabeça e a seguir-lhe os movimentos e com a casa à sua espera. As mãos gordas dos miúdos a tirar as pedras. Quem come, trabalha. Quando falta, falta para todos. Galinheiro povoado, riqueza amealhada. Que já se sabe bem como se faz a vida. 

Mais um ano de trabalho. Mais um sexto entregue. Outros tantos em falta.

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