O respeito de ser casada

Já tinha tirado dois dedos à bainha das saias para que lhe tapassem o joelho e ainda nem tinha chegado o dia. Estava quase. O calendário marcava mais cinco dias até lá chegar. Finalmente. Já não se podia ouvir a mãe com a conversa do costume. “Dezasseis anos e sem namoro?”. Havia lá desgosto maior do que uma filha metida em casa, sem homem que olhasse por ela. Não era para isso que a metera no mundo.

Mas Deus ouvira as suas preces e lá apareceu quem marcasse a data e assim, sem quase se dar por isso, só faltavam quatro dias para que se cumprisse o que era esperado. Estava a casa pronta. Com o cheiro a paredes caiadas de fresco e madeira em segunda mão. Feita do que tinha sido um barracão a dois passos da porta dos sogros e com o essencial. Para se viver era preciso pouco, mais que não fosse porque não havia muito e era pecado desejar mais do que se tem.

Três dias. A adega estava limpa e as mesas postas no sítio com cadeiras de cada nação e toalhas brancas do enxoval de todos e mais alguns. Os pratos com flores misturavam-se com os brancos e lá pelo meio aparecia um já lascado, mas ali nada se deita fora porque não há como comprar novo. Copos do que havia, depois de dois ou três já ninguém sabia o que tinha na mão.

E eis que faltam dois dias. Um instante que nem se deu por ele. De pescoço cortado, as galinhas escaldavam no alguidar à espera do que lhes estava reservado. Prontas a depenar antes de se fazerem em canja e terminarem coradas no forno. Os coelhos estavam gordos. Os garrafões cheios alinhavam-se na parede do fundo.

O corpo tratava de amassar quando só faltava um dia. Farinha trabalhada com água, massa deixada a levedar debaixo dos cobertores e o crepitar da lenha a aquecer o forno. Mulheres de bata e lenço à cabeça, a falar da vida dos outros e a calar os segredos do casamento. Noiva que é de respeito entrega-se ao seu homem e o resto logo se vê.

De repente, acabava-se a espera e o dia chega igual a qualquer outro. Ela prende o cabelo que sempre usou caído, numa banana bem apertada. Tal e qual como se quer. Veste o vestido que depois de a ver casada, irá substituir a roupa de Domingo de quando era miúda e, pelo braço do pai, entrega-se à vida de mulher. Outro homem à sua espera. Escolhido quando já ninguém achava que isso lhe acontecesse. A sair das leis do pai para acatar as ordens de quem a recebe agora. A cabeça em sinal de submissão, o vestido que cresceu em comprimento, as pernas que deixaram de traçar. A mulher que se quer de respeito e quem é digna disso não se ri na rua. Todos os avisos que lhe deram durante uma vida a tornarem-se seus naquele altar.

É mulher, mas casada e mulher casada é outro respeito.

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