O que nos falta

 Há um desânimo que nos toca a todos nestes dias, mas que se torna mais forte para quem vive a aldeia como sua. Num país em que além das grandes cidades tudo o resto é paisagem, as aldeias vivem dos seus. De quem se junta numa esquina a trocar dois dedos de conversa e lança um adeus em braço esticado a quem passa. Das alcunhas gritadas no meio da rua e que, aos ouvidos de quem não é dali, mais parecem palavras sem nexo.


A aldeia vive dos seus. Dos que saem à rua e entram nos seus cafés. Do bater dos sapatos no estrado de madeira quando o rancho dança com as saias das mulheres a fazer balão e o acordeão a dar a melodia. Dos domingos de futebol perfumados a bifanas em molho e couratos na chapa em que se grita pelos nossos como se a nossa vida dependesse daquela bola em campo. Dos ensaios, sejam eles afinados ou não, em que se junta quem tem uma vida disto e aqueles que ainda agora começaram.

Uma aldeia vive disto. Parece pouco, mas é muito para quem se sente tão em casa naquelas ruas como dentro das suas paredes. Os vizinhos são aqueles com quem conversamos de um quintal para o outro. Gritamos "Ó vizinha" com a intenção de quem chama alguém da casa. Seja em cumprimento ou em pedido de ajuda.

As ruas enchem-se quando os nossos desfilam. O rancho a cantar o orgulho de ser daqui. A banda a tocar a marchinha e a terra a acompanhar com palmas e cantorias inventadas naquele momento. Ser da aldeia é diferente de vivê-la. mas quem a vive fica com um nó no peito ao vê-la com as ruas despidas e cafés fechados. E o que há um ano parecia passageiro, agora quase que se sente como uma sentença sem direito a condicional.

Faltam-nos as festas populares, abraçar quem nos quer bem e dar um pé de dança num qualquer bailarico. Faz-nos falta a nossa aldeia.



Há um ano, o David Fonseca lançou uma música em que o videoclip era uma homenagem às filarmónicas (a música é "Só depois, amanhã"). Na altura pensei: "Que bom que se lembram de nós". Hoje, sinto um aperto no peito por não saber quando voltamos às ruas. 

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