Um ano

Era um daqueles dias de calor a anunciar a primavera. Já andávamos todos a esgotar álcool gel e toalhitas desinfectantes, mas sem nos preocuparmos com distância. A vida era normal. A beira rio cheia como pedem as tardes de sábado, fila na loja dos gelados como pedem os dias quentes.

Foi um terminar com chave de ouro sem saber que o estávamos a fazer. Sabíamos lá o que ainda estava para vir. Ainda era tudo tão longe e já estava tão perto de chegar a nós.

Foi o último concerto. Daí para a frente desmarcou-se tudo o que estava marcado, trancou-se a porta por dentro e só se fez fila para o espectáculo de prateleiras vazias no supermercado.

Aquele foi o último fim-de-semana da normalidade que nos parecia entediante na maior parte dos dias. Sabíamos lá nós da falta que essa normalidade ia fazer. Sabiamos lá nós fosse o que fosse nesse tempo. Nessa altura, ainda achávamos que nos íamos safar a isto tal como nos escapamos a todos os concertos com tour mundial. Para nós, Portugal nunca vem no mapa dos outros. 

Esse tempo. Foi há um ano. Só um. Mas parece ter sido há dez. Entretanto já arrumei armários e gavetas, tudo tão bem arrumado que não me consigo lembrar onde ficaram dois discos de vinil. Tenho esperança que voltem a aparecer. Já pintei a casa e os livros finalmente têm o seu lugar. Tudo se foi compondo entre estas quatro paredes que agora se tornaram o meu mundo. 

Há um ano estava a preparar-me para o último concerto que assisti. Hoje, tenho a casa feita quartel general e a cozinha com farinha em todos os cantos. 

Há um ano. Já passou um ano. 



Comentários

  1. Foi um ano, mas foi um ano estranho, demasiado longo...

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    1. Foi um estranho, mas com coisas boas. O estar em casa não foi mau (eu gosto do teletrabalho), o pior foi a distância.

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