As aldeias dos anúncios

Está a chegar a altura de todos voltarem à terra. Todos aqueles que se foram para estradas povoadas, voltam aos caminhos vazios. Vem o Natal e não há COVID ou vírus que amedronte quem vai à terra. Vão visitar os pais e os avós, os tios que já estão a ficar velhotes. Comer em forno de lenha e calçar uma galochas para ir até à horta. Chegou a altura em que todos aqueles que dizem que viver na aldeia é viver lá longe, se fazem ao caminho que tanto os amedronta para ver os seus.

Tudo certo até aqui. Lá porque eu prefiro fazer mais quilómetros para o trabalho não quer dizer que todos sejam assim. Mas depois vejo os anúncios de Natal, cheios de espírito natalício e visitas aos avós, e sinto que sou uma fraude como habitante de uma aldeia portuguesa. 

Começamos pela idade. Tenho menos de 65 anos e vivo na aldeia. Em plena idade activa, cheia de energia e longe (bem longe) da reforma, aqui estou eu, a morar numa aldeia ribatejana a quarenta minutos de Lisboa. Sinto que devia estar com um xaile pelas costas à espera da chegada dos netos. 

Se continuarmos a analisar a coisa, vejo que falho redondamente como agricultora. O que agora até me faz pensar se não será uma desilusão para o meu avô e começo a pôr em causa toda a confiança que tenho em mim. Eu não tenho pomar nem horta que me valha. Tenho um quintal. Cimentado. Com uns vasos de ervas aromáticas que só se mantêm vivas porque o homem que vive cá de casa, lisboeta de berço, trata disso. Se dependesse de mim, membro desta aldeia por nascimento, estariam secas e completamente mortas.

E agora percebo que falhei na renovação da minha casa. Não há uma única pedra à vista que se confunda num estilo entre as casas de xisto e os restaurantes com tendências modernas, mas com o olhar na tradição. Aqui, está tudo revestido a estuque bem esticadinho como se eu fosse uma moderna minimalista lá da cidade. 

E juntando tudo isto e baralhando mais um pouco, tenho que admitir que os anúncios de Natal que por aí andam, tão bonitos e calorosos passados em casas no meio de um terreno sem fim e com uma lareira acesa onde cabe um homem de pé, faz-me colocar em causa esta coisa de defender a vida na aldeia. É que se a vida em aldeia é assim como eles contam, acabei de descobrir que nunca vivi numa. Quem sou eu, afinal?



Comentários

  1. Já eu que sempre vivi na cidade, deu-me agora para virar aldea, com cas (muito confortável) horta, pomar e terreno a perder de vista. Estou a gostar, mas continuo com o meu poiso de sempre na cidade.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares