As sortes *

Eram miúdos ainda. Sempre se soube que os rapazes demoram tempo a tornar-se homens e mesmo quando o fazem não amadurecem por completo. Mas miúdos ou não, homens feitos ou miúdos das saias das mães, era a altura de se apresentarem.

Lá iam eles. Camioneta cheia com todos do mesmo ano rumo à cidade. Roupa de Domingo por estrear e sapato a brilhar. Iam com a moda da altura comprada com os tostões contados, era preciso é que fizessem figura. Cabelo em condições, roupa limpa, sapato engraxado.

Voltavam quando o dia já ia longo e saiam da camioneta com rumo certo. Havia os que iam e os que ficavam. Os que eram aceites e os que tinham algum entrave. Mas fosse qual fosse o resultado, as portas estavam prontas para os receber.

Em casa de cada um, mesa posta para todos. Comida e bebida em cada porta. Eles iam a todas que não se faziam desfeitas em dias destes. E as casas que os esperavam pareciam não terminar que naqueles tempos nasciam muitos a cada ano. Era uma volta que levava o seu tempo e que terminava já com os passos trocados, visão nublada e língua enrolada.

Quando a última porta se fechava, ali estavam eles. Rapazes feitos homens segundo o que a lei dizia. Tinham ido às sortes e para o resto da vida assim seriam.

*ir às sortes era o que se dizia quando os miúdos iam à inspecção.